Histórico dos 10 anos de luta

A ocupação existe há mais de dez anos, desde 25 de março de 2007, quando ocupamos o antigo Hotel Santos Dumont. O prédio estava abandonado havia mais de quinze anos, não cumprindo sua função social. Ao longo dos anos, fizemos diversas reformas no edifício, tais como pintura da fachada, troca das tubulações hidráulicas e readequação do quadro de luz.

No terceiro ano de ocupação descobriu-se que o prédio fazia parte da área contemplada pelo projeto Nova Luz, da Prefeitura de São Paulo, que tinha como objetivo demolir vários imóveis da região para criar um espaço de entretenimento ligando a Rua Mauá à Rua Casper Líbero. Após muita luta conseguimos evitar a demolição do Edifício Mauá junto ao Conselho Municipal de Habitação, transformando-o em área destinada à moradia popular. Hoje a Mauá está localizada em uma Zona Especial de Interesse Social, algo estabelecido pelo Plano Diretor da Cidade.

Mas ao saber que o imóvel não seria mais demolido, os proprietários retomaram seu interesse por ele, então adormecido por quatro anos, onze meses e 20 dias. Desde 2012 tramita na Justiça pedido de despejo das famílias. É importante destacar que os proprietários têm uma dívida milionária de IPTU,  devem mais de cinco milhões de reais em valores atualizados. Dinheiro que deixou de ser investido em saúde, educação, habitação e transporte público na cidade.

A Constituição brasileira, em seu Art. 6º, garante a moradia como direito fundamental do ser humano.  O Art 5º, inciso XXIII, da mesma Constituição, determina que: “a propriedade atenderá a sua função social”. O Código Civil também determina que os imóveis abandonados por seus proprietários devam ser arrecadados pelo Município, como consta no Art. 1.276. §2º. Ainda assim, o Poder Judiciário, ignorando os direitos fundamentais à moradia, o não cumprimento da função social da propriedade e os mais de quinze anos de abandono do prédio, deferiu uma ordem de reintegração de posse em favor dos proprietários (processo nº 583.00.2012.127245-0/0).

Iniciou-se uma nova jornada de resistência das famílias, com recursos, reuniões despejos marcados e revertidos. No mês de junho de 2013, o prédio foi decretado como de interesse social pela prefeitura. O primeiro entre as ocupações do centro da cidade.  Porém, em 2014 uma nova decisão judicial marcou a reintegração para o dia 15 de abril.  Depois de sete anos de luta dos moradores, a prefeitura de São Paulo decidiu desapropriar o imóvel, depositando pouco mais de onze milhões de reais para a compra do edifício, paralisando o processo de reintegração. Este valor foi determinado pelos peritos do município, após inspeção do prédio.

A juíza da 9ª Vara da Fazenda Pública, Simone Gomes Rodrigues Casoretti, nomeou um perito judicial que avaliou o imóvel em vinte e um milhões e novecentos e oitenta mil reais sem entrar no prédio. Fato inusitado, o valor determinado pelo perito está muito acima do solicitado pelos proprietários, que pediram dezoito milhões de reais. Vale recordar que o ganho de um perito está relacionado ao valor do imóvel em questão. Essa supervalorização do imóvel tem travado as negociações por muito tempo.

Mesmo sem a efetivação da desapropriação, com o descarte da possibilidade de despejo, a Mauá passou por um período de boas esperanças com a conquista alcançada após muita luta. Estudos de técnicos contratados apontaram que após ampla reforma será possível viabilizar 160 unidades habitacionais no prédio. A reforma será realizada com recursos do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades. As demais 77 famílias serão incluídas em outros projetos habitacionais da prefeitura.

Contudo, em junho deste ano, o judiciário voltou a pedir a reintegração de posse do imóvel, mesmo com a Secretaria de Habitação e a COHAB tentando negociar a desapropriação do prédio com os proprietários por um valor intermediário. O magistrado Carlos Eduardo Borges Fantacini (26ª Vara Cível) e o desembargador Simões de Vergueiro, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), acataram os reclames dos proprietários, negaram todos os recursos interpostos pelos nossos advogados e determinaram a reintegração de posse imediata, dando prazo máximo de até 60 dias para a desocupação do imóvel.

Não há nenhuma proposta para o acolhimento depois do despejo, que foi marcado pela polícia militar para o dia 22 de outubro, um domingo. Numa nova etapa do reiterado histórico de desrespeito às nossas vidas, o domingo foi escolhido por ser o dia de menor impacto no trânsito da região, sem levar em conta que é um dia que muitos serviços de assistência não funcionam e que será mais difícil acionar os serviços de emergência, talvez necessários porque o arrombamento e o uso de força policial foram autorizados.

Há um recurso especial, protocolado em Outubro de 2016, que, se levado a julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), poderia extinguir o processo de reintegração. Enquanto o recurso especial encontra-se parado, o juiz está adiantando, ao máximo, o cumprimento provisório da sentença, na tentativa de tornar o pedido de reintegração de posse definitivo, e de tornar inválido o recurso especial. O Ministério Público do Estado de São Paulo também fez pedido de adiamento do despejo enquanto o processo de desapropriação estivesse aberto, mas foi indeferido pelo juiz Fantacini.

Não queremos sair sem o nosso direito à moradia! Estamos aqui há mais de dez anos! Queremos moradia digna com qualidade de vida! Queremos a reforma desse imóvel e vamos continuar na luta! Resistiremos uma vez mais!

maua2
Ocupação Mauá. Foto: Danilo Ramos